domingo, 30 de novembro de 2008

Alguém especial

Uma bailarina de um certo programa dominical, ao ser interpelada pelo apresentador se estava namorando, disse que estava “em processo seletivo”. Como a moça é muito bonita, no domingo seguinte o apresentador mostrou os mais de três mil e-mails e cartas enviados por candidatos à vaga.

Mais uma vez questionada do porquê de estar só, sendo tão bela, a bailarina disse que preferia estar só a mal acompanhada e que esperava por “alguém especial”. Isso me interessou.

Afinal, o que é “alguém especial”? A brincadeira (será?) do “processo seletivo” e interesse por “candidatos à vaga” pareceu-me algo excessivamente empresarial. O “especial” passa a ter a aparência da necessidade de valores. Não valores subjetivos e que dizem respeito ao caráter, mas sobretudo àqueles que interessam aos bancos.

Ou é isso ou passamos por uma crise moral sem precedentes. Se uma mulher extremamente bela, aparentemente simpática e inteligente não encontra um “cara legal”, o que restará às menos privilegiadas?

Talvez um dos grandes males seja a espera pelo “pacote pronto”. Talvez a moça aguarde o seu “alguém especial” chegando montado em uma Kawasaki branca (cavalo branco já está fora de moda), belo, íntegro, com um sorriso de propaganda de creme dental e cabelos de comercial de shampoo, sarado e tão bem vestido como um James Bond. Aguarda que ele pare a moto, retire o capacete (sim, é claro que alguém especial usa capacete), lhe sorria, comece tocar ao fundo um tema musical (que depois identificaria como sendo a “música deles”). Nas apresentações ele diz “oi, eu sou alguém especial”. E assim vivem felizes para sempre.

Como o País das Maravilhas há tempos já pegou fogo, só resta pedir para as Alices de plantão acordarem e descobrirem que ninguém é especial simplesmente por sê-lo. As pessoas se tornam especiais, mesmo com milhões de defeitos. Assim são os relacionamentos onde o sentimento impera.

Para todos os outros casos existe Mastercard.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Vou ser breve

O prenúncio da demora é o aviso da brevidade. Em uma de suas crônicas, Nelson Rodrigues diz que antes de entrar no assunto irá dizer “duas palavras” sobre um outro tema. Alerta o cronista que “duas palavras” em tradições brasileiras são o equivalente a mais de duzentas.

Também em discursos vale a regra. Quando alguém inicia o discurso, depois de passar cinco minutos cumprimentando os presentes e os componentes da “mesa”, dizendo “vou ser breve”, pode ter certeza que vai ser longo.

Tudo começa, como dito, com cumprimentos à mesa e aos presentes, da alegria por se estar presente àquele momento, da beleza que é a sociedade reunida em assembléia, fazendo jus aos heróis que tanto lutaram para que pudéssemos ter um país realmente democrático. Aliás, tudo depende do tipo de cerimônia. Para cada cerimônia, um certo tipo de abertura.

Depois vem o desenvolvimento e aqui é que se diz o “vou ser breve”, seguido de longas (e muitas vezes repetidas) palavras sobre aquele momento. E, aqui também tudo varia conforme a intenção: elogios, críticas, desenvolvimento de idéias. Ora mais inflamadas as palavras, ora menos, o tempo vai passando, passando, passando...

De repente o orador, com a platéia cansada, diz “para encerrar...” e todo mundo acredita que ele realmente vai terminar. Mas não termina. E fala, fala, fala.

Quando, enfim, vai encerrar o seu discurso, volta a agradecer aos presentes, aos membros da mesa e retoma todo aquele pré-discurso da abertura que dura novos cinco minutos.

A platéia, cansada, aplaude em pé não o orador e o seu discurso, mas sim o término daquela fala e aproveita para esticar as pernas.