Narciso
Depois de um longo período, resolvi postar aqui novamente.
Bem, recebi um convite para fazer umas falas para uma rádio. Textos curtos de cerca de 2 minutos. Este abaixo foi o primeiro deles. Caso alguém leia, será um prazer compartilhar.
Abraços.
Oi, meu nome é Xisto Bueno e estarei periodicamente aqui com
vocês, conversando um pouco sobre política, economia, agronegócio, futebol e
filosofia de boteco. Como este é nosso primeiro contato, vamos começar com a
filosofia de boteco. Em verdade quero falar de um mito grego: Narciso.
Resumidamente, Narciso era alguém que se achava muito bonito, vivia admirando
seu próprio reflexo nas águas até que se apaixonou por si mesmo e acabou
morrendo afogado. Parece uma história idiota, mas serve para nosso bate-papo de
abertura.
Esse mito grego conta por meio dessa alegoria o modo como
nos apaixonamos por nós mesmos, por aquilo que gostamos, pelas nossas ideias. E
em regra nos reconhecemos em quem gosta daquilo que gostamos, que tem ideias
que se aproximam das nossas ideias (tem bom gosto quem tem o gosto igual ao
nosso). E, por outro lado, desgostamos – e até combatemos – quem não gosta
daquilo que gostamos, quem tem ideias que contrastam com as nossas. Como diz
uma famosa música de nossa MPB, “Narciso acha feio o que não é espelho”.
E com esse modo de ser e agir, aumentado em grau exponencial
por mídias sociais, a modernidade tem se mostrado absurdamente intolerante. A
experiência do outro só é aceita se nos enxergarmos nele. Nós nos tornamos
seres altamente narcisísticos: apaixonados por nós mesmos, incapazes de ter
olhos para o que é diverso de nós mesmos. Estamos nos afogando em nós mesmos.
Cada um de nós está ensimesmado, certos em absoluto que temos a verdade, sendo
que a verdade é aquilo que temos. E só o que temos.
Lembra da velha máxima de que os opostos se atraem?
Atualmente os opostos se abatem. Perdemos a capacidade do bom debate, perdemos
o processo dialético, perdemos até mesmo a boa educação. E o que veio no lugar?
Veio intolerância, veio agressividade, veio o combate. Aparentemente, meus
amigos, o mundo contemporâneo vem se marcando por um processo de involução e
estamos retrocedendo à condição de bárbaros.
Fica a reflexão. Um grande abraço e até a
próxima.