domingo, 6 de julho de 2014

Traduttore, traditore

Toda tradução é um crime. Salvo textos meramente técnicos, frios e chatos, toda tradução é criminosa. Aliás, não existe tradução, o que existe é uma recriação, uma reexpressão, tentando redizer o que se disse, mas raramente o que se quis dizer (ou será o contrário?). Existe, em cada língua, algo que é só dela. Sons, ritmo, trocadilhos. Coisas da língua.
E quando é poesia, então? Poesia é quase pintura. Aliás, é pintura com sons. Os fonemas tem cores. E é como escultura. Os fonemas tem densidade. Se duvidar, tem sabor. Por isso umas poesias deixam a gente com gosto acre na boca seca. Como se traduz um sabor?
Mesmo assim, como conhecer ao mesmo tempo Dante, Goethe, Rimbaud, Dostoievski e Fitzgerald, sem os tradutores?
Esse processo de recriação depende do olho de quem vê e daquilo que traz consigo. As traduções do Corvo, do Poe, são tão diversas quanto a época e o autor que o resolveu aportuguesar. Dostoievski era conhecido pelas (re)traduções que o autor russo tinha em francês. Direto do russo é outro autor, com outro ritmo.
Tenho a convicção que nunca li um autor estrangeiro, sempre leio o que tradutor quis me dizer dele. Sorte a minha que existe quem se dedica a trair o autor, extraindo de si aquilo que pôde sentir no texto, para que eu possa ter, ao menos, o direito de sentir.
Se acaso eu ler o original e descobrir que não é nada daquilo que o tradutor me contou, vou ter o privilégio de poder saber da traição e saber que provando do mesmo prato, não sentimos o mesmo gosto.