segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

O buraco da agulha

Algumas traduções equivocadas e as mudanças no som causadas pela repetição de frases e ditos populares criaram (e criam) umas aberrações textuais que assumimos sem questionar. Há uma série de exemplos e resolvi, desta vez, falar sobre esse tema.

Desde pequenos aprendemos uma parlenda onde se diz que "hoje é domingo, PÉ DE cachimbo". Pois bem, o que é um "pé de cachimbo"? Uma árvore onde os cachimbos nascem como frutos? Em verdade, a parlenda diz que "hoje é domingo, PEDE cachimbo". "Pede", do verbo pedir, e não "pé de", relativo a árvores frutíferas. O domingo pede tranquilidade, meditação, que é um ato inerente ao "cachimbar".

Outro exemplo de rimas infantis é o da famosa "batatinha quando nasce ESPARRAMA pelo chão". Tudo bem, a planta é rasteira e espalha-se, mas o correto é "ESPALHA A RAMA pelo chão". Ficou quase igual, mas assim tem mais sentido, afinal a "batatinha" em si, não espalha nada, o que espalha é a rama.

Esta agora eu acho o máximo: já ouviram dizer que "fulano é o pai ESCARRADO E CUSPIDO"? Pois é, além de desagradável, a remissão escatológica não tem sentido algum. Ao menos nunca li nada que relacionasse cuspe e catarro à genética. A frase correta é que "fulano é o pai EM CARRARA ESCULPIDO", o que tem outro significado. Só pra lembrar, Carrara é uma localidade da Itália famosa pelo seu mármore, utilizado pelos mestres do Renascimento para fazerem suas esculturas.

Por fim, uma outra fantástica e bíblica (e que dá nome ao post). É citado no Evangelho de São Mateus que "é mais fácil passar um CAMELO pelo buraco de uma agulha que entrar um rico no Reino dos Céus". Vamos lá, o que tem a ver um camelo com uma agulha? Por que, afinal, alguém tentaria fazer esse absurdo? Por quê passar um camelo pelo buraco da agulha? A verdade é que o texto foi mal traduzido: a palavra em questão era KAMELOS (do grego, "CORDA GROSSA" de amarrar navio) e não CAMELUS (do latim, "CAMELO"). Com a tradução correta passa a ter um melhor sentido o texto bíblico. Concorda?

Pois bem, estamos esclarecidos. O duro vai ser não mais cuspir no filho e passar a coisa certa pelo buraco da agulha.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Hormônios em fúria

O carnaval mexe com os hormônios do povo brasileiro. Se ninguém nunca fez um estudo sobre esse aspecto do carnaval, alguém precisa fazer. Existe, por uns dias, uma abolição ao recato, um afrouxamento dos rigores morais do cotidiano.

Os comportados decotes do cotidiano tornam-se seios à mostra, turbinados à base de silicone, corpos sarados e bronzeados nas férias de dezembro e janeiro, postos à mostra como um merecido troféu conquistado após horas de maca, suturas, drenagens, semanas de sol e meses de academia.

E durante a “ofegante epidemia”, a máxima de que ninguém é de ninguém torna-se a realidade que se inicia na sexta e dura até terça-feira. Os hormônios entram em ebulição e embebeda-se o superego, deixando o momento mais permissivo. Bocas e corpos se misturam. Existe uma urgente necessidade como se o mundo fosse acabar no dia seguinte. Mas não acaba... até a noite de terça, porque na quarta, ficam apenas as cinzas dessa gigante fogueira que aquece nosso povo e faz ferver os hormônios.

Depois do meio dia de quarta, voltam os ternos, tailleurs, os ônibus lotados, a pressa contida pelo trânsito engarrafado. A vida continua e os seios se guardam recatadamente, pudica e virginalmente sob várias camadas de tecido. Tudo o que foi permitido durante a festa torna-se o desejo incontido de permanência para alguns e a ressaca moral de outros.

E assim continua até o próximo fevereiro.