A pátria sem chuteiras
1986, Brasil no México. Telê no
comando, Seleção Brasileira favoritíssima. Zico, Sócrates, Falcão e companhia.
Não poderia dar errado. País inteiro enfeitado de verde e amarelo. Aquele
sentimento tradicional em que o Brasil entrava em campo com a seleção. Brasil e
França, quartas-de-final. Aniversário do meu irmão. Casa enfeitada para a festa
e para a comemoração da ida para as semi-finais. Não poderia dar errado!
Mas deu... Michel Platini
comandou o time francês e impediu a plena alegria na hora dos parabéns. A casa
e o bolo em verde-amarelo, meu irmão vestido com o uniforme da seleção poderiam
ser apenas uma imagem melancólica e triste da derrota, mas representava um
sentimento nacional de que, mesmo tendo sido derrotados, acreditávamos na
Seleção e o sonho do tetra tinha sido apenas adiado.
Agora a Copa é em casa e o país
vive um momento de extrema apatia com o mundial. Não existem carros com a
bandeira do Brasil, nem ruas pintadas, nem bandeirolas, nem nada. O povo anda
tão desinteressado com a Copa que a escalação do Luverdense causa mais frisson
que a da Seleção. A alegria foi convertida em indignação. Existe quase que um
sentimento de vergonha geral por conta das obras inacabadas e uma revolta
ostensiva com os gastos com as arenas por todo o país. Cartazes de apoio à
seleção deram lugar aos que dizem que não vai ter Copa.
Este cenário inimaginável faz
pensar no que escreveria Nelson Rodrigues. O Brasil não calçou as chuteiras?
Quando houve a ampla comemoração
com o anúncio do Brasil-sede, era conhecida a necessidade de adaptações, havia
a promessa de uma significativa melhoria em nossa cidade. Rede urbana,
hoteleira, turística. O tal “legado” da Copa. O povo, no início, até entendeu
os buracos, desvios e congestionamentos. Mas o tempo foi passando e a paciência
acabando.
Obras paralisadas por ações
judiciais, uso político do Judiciário para desgastar o Executivo, erros de
execução pelos empreiteiros, problemas sociais com desapropriações, atrasos
generalizados, valores estratosféricos, chuvas fora de hora, greves,
manifestações. Parece que tudo vem conspirando contra o brilho que poderia ter o
mundial em país que se intitula “do futebol”.
Estamos a uns dias do início da
Copa e já não dá para fazer muita coisa, salvo torcer. Se não pela seleção, ao
menos para que a vergonha seja pequena.
Se lá em 1986 mesmo perdendo
saímos do mundial de cabeça erguida (oh, Zico... aquele pênalti deve te causar
pesadelos até hoje!), desta vez estamos entrado de cabeça baixa. Sem bandeiras
agitando nos carros, sem faixas nas ruas. Se em 1986 o Joel Bats fez ficar
preso o grito de gol (Zico, juro, não é perseguição), hoje gritam nas ruas que
não querem gol.
E se alguém disser que as
dezenas (que eram centenas e ano passado chegaram aos milhares) de
manifestantes não representam o sentimento de toda a população, que nos digam,
então, onde está o vírus da Copa, que este ano não infectou ninguém. Talvez as
obras tenham sido uma espécie de vacina, que nos fez criar ao longo dos meses
uma certa resistência ao mundial. O desgosto cotidiano foi minando a alegria de
ver a Seleção Canarinho.
Mas, mesmo sem a alegoria
tradicional pelas cidades, as arenas estarão lotadas quando a bola rolar.
Talvez estejam faltando uns bons gols para nos levantar a cabeça, soltar o
grito e, finalmente, voltarmos a ser a torcida brasileira.
2 Comentários:
Eu tinha todas a figurinhas do chiclete Ping Pong (acho que era esse nome rs) da Copa de 1986 e a mais desejada por todos era a do Diego Armando Maradona...
Será que deixaremos de ser o país do futebol?
Estaremos passando por mudanças culturais?
É "El Xiston", certamente suas palavras vão ao encontro de meus pensamentos e sentimentos. A Copa do Mundo FIFA evidenciou nossa falha politicoadministrativa. Uma pena.
Ahhh, o Zico agradece pelas lembranças. (risos)
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